Leste Oeste Paraná

Forjado na mensageria, lapidado na estrada. 750km em 48 horas.
Fixed Gear/Single Speed 750km 8720 2 4 set 2019

A ideia

Há um ou dois anos atrás eu dividia uma casa com o Akio no alto do Pilarzinho. Certo dia, após alguns copos de cerveja e várias conversas, olhamos para o mapa do estado do Paraná na parede e tivemos a ideia de atravessar o estado de ponta a ponta — de leste a oeste. O tempo passou, a idéia foi se extinguindo e não tocamos mais no assunto. Quando nos encontrávamos, até chegamos a comentar algumas vezes, mas até então era um simples sonho distante. No meio do ano de 2019, Akio disse que teria uma tempo livre em setembro e levantou novamente a ideia da travessia. Eu estava em um momento de vida bem ruim, talvez um dos piores momentos que já tive. Vi aquele desafio como algo que poderia me impulsionar a sair daquele momento e buscar algo que já vinha matutando na minha mente: dedicar-me ao ciclismo de longa distância.

Nesse momento difícil pelo qual passei, meus grandes amigos sempre me apoiaram. Em um dos nossos encontros, Cécil comentou que gostaria de ajudar no preparo físico para esse desafio, já que ele tem essa formação. A ideia ficou no ar. Comecei, então, a me dedicar mais aos pedais junto do Akio. Passamos a pegar estrada e a montar uma apresentação. Na verdade, a apresentação foi feita quase toda por ele e sua parceira, Priscila. Inclusive ficou num altíssimo nível, o que nos ajudou muito. Montamos também algumas rotas de pedal que serviriam como treinos para o desafio. Nesse mesmo período, comecei a trabalhar por um mês, durante meio período, 2 vezes por semana com o Cécil na Hipster Crossfit. Em paralelo, continuava com meu ofício de ciclista mensageiro no Curitiba Messenger.

Os treinos

Cécil se mostrou bem animado com o projeto da travessia do Estado, e se propôs então a ajudar nos passando um treino específico. Cécil montou um treino em cima das rotas que eu havia criado junto com o Akio. Com o passar dos dias Cé ficava cada vez mais empolgado e se ofereceu a ser o carro de apoio. Nem tinha o que dizer: meu grande amigo ajudando nos treinos e agora estaria presente no desafio! Foi realmente uma notícia que me passou uma tranquilidade e me ajudou a me manter focado. Pois sei que posso contar e confiar sempre no Cé.

Por fim, os treinos foram verdadeiros desafios. Fizemos pedal por lugares que não havíamos pedalado e com distâncias e altimetrias consideráveis, especialmente por estarmos de single/fixa. Quase todos os treinos fiz ao lado do Akio. Temos um ritmo muito parecido e visões sobre o ciclismo bem próximas, isso fazia com que a companhia fosse sempre agradável e nunca nem chegamos perto de qualquer desentendimento. Conversamos muito nos nossos pedais — nem sei da onde saiu tanto assunto!

Esses treinos fizeram com que sentíssemos novas percepções. Em Tunas, uma altimetria brutal num sobe e desce que não parava. Num giro de 350 km, batemos nosso recorde de distância juntos e ainda subimos a Serra depois de 280km. Nesse dia cheguei a ter dúvidas se no dia seguinte conseguiríamos pedalar mais 400km, pois era isso que nos esperava no desafio. Acredito foi isso que fez com que eu, e acredito que ele também, fortalecesse o psicológico para o desafio.

Em um trecho da Graciosa, uma sensação que nunca tive: de que estava em outro lugar, um lugar mágico, diferente, não sei explicar. Inclusive levei um tombo bem besta e que nem senti nesse dia, o que me deixou feliz, pois já havia muito que não caia, e reza a lenda que o ciclista não passa muito sem cair. Posso dizer que essas 10 semanas de treinos foram na medida certa para me preparar fisicamente e mentalmente para o que viria…

A busca por apoio

Procuramos vários apoios, muita gente se mostrou solícita e acreditou na gente — muito mais do que eu imaginava! Cécil consegui muitas parcerias. Ao mesmo tempo que isso facilitava nossa viagem, trazia uma certa cobrança, pois precisaríamos dar algo em troca. Dessa forma, a pressão também aumentou sobre a gente. Sempre me indagavam se eu estava ansioso para o desafio. A verdade é que não sentia ansiedade, estava tranquilo. Mas ao mesmo tempo sentia que quem eu era dependia de completar o desafio no tempo estimado de 48 horas.



Dia pré desafio

O dia foi bem agitado, muito mais do que eu gostaria, mas deu tudo certo. Arrumei minha coisas logo cedo e foi para o apartamento do Akio e da Pri. Jean já havia chego logo cedo de São Paulo. Tomamos um café da manhã juntos e fomos ajeitar as coisas finais. No dia anterior, eu Cé e Akio fizemos compra das comidas e buscamos algumas coisas nos apoios. Cécil passou por volta das 11h e deixou umas coisas que havia buscado naquela manhã. Fomos eu e ele encontrar outro grande amigo, Neto. Neto se prontificou em adesivar o carro com a logo do desafio e com a logo dos apoiadores.

Foi um encontro que deu mais uma motivação. O carro ficou lindo e fomos pegar mais coisas nos apoiadores antes de voltar ao ap. Nesse tempo, tivemos a confirmação de que Cagnato, nosso fotógrafo, passou mal e não poderia nos acompanhar. Triste notícia. Akio e Jean ainda tentaram encontrar alguém que pudesse nos acompanhar, mas como estava muito em cima, não conseguiram. Chegamos no apê e o pai do Akio já estava lá, ele iria levar as bikes do Akio e Jean e mais umas coisas até Paranaguá. Ajeitamos tudo nos carros e fomos buscar Syen em seu trabalho. Nem havíamos almoçado e estávamos atrasados dentro do nosso planejamento.


A viagem de carro até Paranaguá foi rápida e tranquila, regada a muito som do vasto repertório do Syen, Cécil não conhecia a maioria e foi muito legal ver essa descoberta. Demos muitas risadas e Cé e Syen se entenderam muito bem. Fiquei bem feliz por isso. Chegamos em Paranaguá e fomos muito bem recepcionados por Aramis e sua mãe. Inclusive elogiou minha bunda, o que me pegou de surpresa. Aramis estava com a TV ligada vendo o Giro de Itália que havia gravado. Minha vontade era sentar e ficar vendo com ele e conversando, mas precisava ajeitar tudo para o dia seguinte.

Quando Cé, Akio e Jean saíram para conseguir comida, até conseguimos trocar uma ideia e ver um pouco do Giro, mas a sensação era que queria passar mais tempo ali. Cé voltou para buscar eu e Syen, Aramis não come a noite. Fomos até o restaurante, no caminho uma loucura total. Um trânsito frenético. Fiquei até assustado. No restaurante Akio e Jean nos esperavam e, assim que chegamos, fomos todos comer. Aproveitei que era buffet livre e comi à vontade. Muitas risadas durante o jantar, um clima muito bom. Voltamos e fomos tomar banho para deitar, a ideia era dormir cedo e descansar. Até conseguimos, porém demorei para dormir, acredito que todos demoraram. A ansiedade bateu forte. Acredito que dormi umas 3h no total, bem longe do que eu pretendia.

Dia 1

Acordei por volta das 2h40, a ideia era acordar às 3h. Aproveitei esse tempo e relembrei todos os treinos que havia feito para o desafio. Às 3h levantei e fui me trocar e ajeitar os últimos detalhes. Tomamos um café da manhã bem arregado e cheio de risadas. Estava bem tranquilo e me sentia bem preparado, apesar de ter dormido pouco. Caíam alguns pingos e fiquei na dúvida se colocava a capa de chuva ou não. Depois de tirar e por algumas vezes, decidi por ir sem, mas deixei ela no jeito caso a chuva apertasse.

Saímos perto das 4h15. Todos animados. Logo estávamos na BR-277: o início foi cheio de conversas, fui com o Syen lado a lado, Akio e Jean se mantinham um pouco à frente. Notei vários ratos no acostamento antes do início da Serra e lembrei de uma música do Millencolin, Man Or Mouse — Pois aquele horário era somente o que tinha ali, Homem ou Rato. Cécil nos acompanhava de carro com o som bem alto, o que dava mais uma animada naquele início de desafio.

Subimos a Serra muito bem, todos juntos. Sem nenhum problema. No final da Serra, caía um chuvisco. Continuamos até o pedágio, o que foi suficiente para nos molharmos. No pedágio a primeira pausa. Comemos, tomamos o café solúvel providenciado pela Ecovias (clássico), e resolvi então trocar de camisa e colocar os manguitos novos. Seguimos até o Jardim das Américas, onde paramos para tirar as capas que havíamos colocado. Daí fomos por dentro de Curitiba até a saída da cidade pela BR -277, ao lado do Barigui. Paramos na PEDALE e comemos. Combinamos de ir até o Jusita e parar por lá.

Nesse momento senti que o clima seria aquele: sem chuva, perto dos 16 graus, com o dia nublado. Clima muito bom para pedalar. Somente colete corta vento e manguitos seria perfeito. Chegando no Jusita, mais uma parada para comer. Senti que essas três paradas que fizemos estavam demorando mais que o planejado, mas como estava divertido achei que não tinha nenhum problema. Seguimos até o final da Serra de São Luiz, onde furou o primeiro pneu: era do Akio. Na subida, Syen me passou e brincou me chamando de Bartali, fazendo alusão à disputa sadia entre dois grandes ciclistas italianos, que são nossas origens: Fausto Coppi e Gino Bartali.



Mais uma parada no pedágio devido a outro furo. Estávamos num bom ritmo e tudo corria bem. Senti meu pneu meio estranho e notei que havia furado, paramos e troquei a câmara, porém quando fui encher de novo furou. Não vi nada no pneu, mas Jean sugeriu de trocar o pneu já que havia reserva. Ali, demoramos mais um tempo. Me senti responsável pela demora, mesmo sabendo que não tive culpa e que os meninos não se importariam.

Nesse momento apareceu um amigo do Cécil e foi bem legal esse encontro. Dali seguimos direto até o pedágio de Porto Amazonas. Mais uma longa parada. Dali em diante, o cenário seria novo para mim, o que me deu uma motivação a mais. Seguimos no mesmo ritmo e paramos alguns km depois para mais uma pausa. Como sempre, dávamos muitas risadas. Cécil disse que o sono batia, e isso me deixava bem preocupado, pois ele seguia sozinho no carro. Deveria estar sendo bem difícil pra ele. Nesse momento, decidimos que nossa próxima parada seria para almoçar. Eu preferia seguir direto, mas entendi a vontade de todos e concordei na boa.

Mais a frente encontramos a parada Anila. Ali resolvemos almoçar, porém já não havia mais buffet e acabamos comendo lanche, o que não ajudou muito. Na saída o Akio notou seu pneu furado. Ligamos o som alto e nos preparamos para enfrentar a noite que estava bem próxima.

Ficamos tempo demais parado nesse ponto. Muito mais que o esperado. Sentia que a margem de tempo que tínhamos para o primeiro dia ia se extinguindo. A noite chegou e mantínhamos um bom ritmo. Rodamos mais um bom trecho até a primeira parada. Aí começamos a sentir a demora nas paradas, pois o corpo começava a esfriar, notei que isso podia nos prejudicar e tentava apressar os meninos. Vimos algumas imprudências na estrada durante a noite. Uma galera numa velocidade absurda. Seguimos mais um trecho e fizemos a última parada antes da Serra do Terceiro Planalto. Mais uma vez, demorada, e o corpo sentindo o efeito. Mesmo sem ter fome eu comia em todas paradas, justamente pra não chegar no ponto de sentir fome. Sentia uma leve dor no tendão atrás do joelho, acredito que devido a essas pausas que deixavam o corpo esfriar.

Seguimos até a Serra, subi muito bem e fiquei contente por ter subido sem problemas as 3 Serras do primeiro dia. No final da Serra fizemos uma parada para nos agasalhar. Nesse momento Syen estava com muitas dores e até cogitou parar caso não melhorasse. Ele passou pomada e vez uma massagem e resolveu seguir adiante. Decidimos parar somente em Guarapuava, que não estava longe. Seguimos, o frio chegou, mas nada insuportável. Eu pelo menos estava bem agasalhado, fui bem preparado para não passar dificuldades. Chegando em Guarapuava eu me sentia bem em todos os aspectos e podia continuar pedalando sem problemas, mas tínhamos um planejamento.

A maioria votou por parar para jantar. Paramos em um posto e comemos. Cogitamos a ideia de ficar por ali, pois a casa que nos foi oferecida era para dentro da cidade e levaria um certo tempo para chegar. Mas não encontramos nada acessível: os hotéis cobravam um preço alto para ficarmos tão pouco tempo. Decidimos seguir até a casa da Mabia, moça que nos ofereceu sua casa. Fomos bem recepcionados. Eu estava um pouco irritado, pois passamos bastante do horário desejado e senti que isso poderia comprometer a meta de chegar em 48h. Tomamos banho e fomos deitar.

Dia 2

Acordei com o despertador, foi difícil levantar. Ao acordar, notei uma dor bem forte no joelho e tentei não me abalar. Syen ao lado levantou junto, chamei Cé que continuou deitado. Achei uma boa deixar ele mais um pouco na cama, afinal não precisava preparar suas coisas. Na sala Akio e Jean já estavam acordados. Fui o primeiro a me aprontar e fui para o carro comer. Pensei em largar sozinho, mas achei melhor esperar os meninos. Comemos e nos despedimos de Mabia. Enquanto comíamos, decidimos que não demoraríamos tanto nas paradas para quem sabe chegar no tempo estipulado. No primeiro posto paramos para tomar café. Ao sair, os meninos decidiram ficar um pouco mais. Ali decidi seguir sozinho, pelo menos por um trecho. Nesse trecho várias coisas passaram pela cabeça. Sono, se eu estava certo em seguir sozinho, se conseguiria chegar a tempo e se conseguiria chegar. Mas depois de um tempo isso tudo passou, eu estava com a cabeça muito bem trabalhada e nada disso permaneceu nos pensamentos.

Decidi que iria pedalar 30km e parar para comer. Foi o que fiz. Parei em um posto de atendimento onde encontrei o Cé. Tomamos café juntos e comi uns pães. De repente Jean e Akio passaram reto por nós. Fiquei contente, pois demonstrava que eles também entraram no espírito de chegar no horário estipulado. Um tempo depois chegou Syen, e ele notou que seu pneu estava furado. Perguntei se não se importava se eu fosse indo, e disse que tudo bem, afinal ele sabe que cada um tem seu ritmo na estrada. E isso iria ficar evidente naquele dia.

Decidi andar mais 30 km. As paisagens eram lindas, campos bem diferentes dos que eu havia visto. O sol brilhava e o dia estava divino. Mais adiante encontrei Akio e Jean na beira da estrada, haviam parado para um lanche. Perguntei se estavam de boas e segui sozinho. Os trechos variavam entre descidas e subidas, algumas retas. Parei mais a frente e encontrei o Cé. Ali esperei Akio e Jean, conversamos, estávamos todos bem. Esperamos Syen e decidimos seguir juntos até a próxima parada. Como cada um tem seu ritmo, Jean despontou a frente, eu e Akio um pouco mais atrás e Syen pouco mais atrás de nós, devido a sua relação leve. Nos encontramos no ponto marcado. Ali fizemos uma longa pausa para nos recuperar. Deu uma bela renovada e decidimos seguir e parar depois de Guaraniaçu para um almoço.


Saímos os quatro juntos. Syen foi ficando um pouco para trás. Jean embalava nervoso nas descidas e eu e Akio não acompanhávamos esses embalos. Nas subidas chegávamos em Jean, resolvi ser mais agressivo nas descidas e acompanhar Jean. Acabamos deixando Akio um pouco para trás. Guaraniaçu era lindo, porém sem retas, somente descidas e subidas. Numa dessas subidas, acabei abrindo distância do Jean. Mal sabia que a partir dali seguiria sozinho o resto da viagem. Estava me sentindo muito bem e coloquei um ritmo muito bom. Estava acostumado a pedalar sozinho na estrada, e isso facilitou. Como sempre gostei de subidas, estava me sentindo em casa.

Parei no local combinado. Depois de algum tempo vejo o carro de apoio vindo. Mas havia algo errado, notei que havia um passageiro. Quando chegou perto notei que era o Akio. Fiquei muito triste. Pois sabia que era difícil para ele ter que abandonar o desafio. Seu joelho doía muito — e olha que Akio não é de frescura. Logo me recompus e superei a perda do amigo na estrada. Agora ele faria companhia ao Cé. Eles disseram que iriam seguir para encontrar o Jean. Ali notei que havia algo estranho, pois o Jean não tinha me passado. Eu havia parado para encher as garrafas de água num posto um pouco atrás do ponto em que estávamos, mas pelo ritmo que eu havia colocado, duvidava que alguém teria me passado. Eles resolveram seguir mesmo assim.

Eu comentei que tinha visto numa placa que havia um posto logo a frente, e poderíamos nos encontrar lá. Chegando lá, nada do Jean. Resolvi almoçar enquanto eles arrumavam o carro para que Akio ficasse mais à vontade. Comi um belo prato de macarrão e ainda sobrou um pouco para mais tarde. Voltei para o carro e peguei tudo que precisava. Eles iam voltar e procurar pelo Jean e pelo Syen.

Ali notei que estava num excelente ritmo e se tudo desse certo eu conseguiria terminar nas 48 horas. Combinei de parar a cada 50 km. Me despedi dos amigos e segui viagem. Minha meta era fazer 50 km em até 2h. Logo que saí, coloquei um ritmo frenético. Me sentia muito bem, nada de cansaço ou sono. Isso que já havia pedalado mais de 500 km. Resolvi apertar o pedal também porque logo iria escurecer, e a média de velocidade iria cair um pouco. Nesse trecho passou um tucano bem perto de mim, parecia um bom sinal, não sei por que. Fui seguindo e vi entre as árvores um sol laranja se pondo, e tive muita vontade de ver aquele pôr do sol. Mas ele foi descendo, e achei que não era merecedor de vê-lo.

Depois de umas curvas, cheguei em um campo aberto, e lá estava ele: uma bola de fogo laranja e radiante. Esse tipo de coisa me dá um gás a mais. Me sinto gratificado por poder estar vivendo aquilo, parece que é um presente por estar me dedicando com afinco a algo em que acredito Depois dessa cena maravilhosa alcancei um trecho plano, onde a escuridão começou a chegar. Finalizei os 50 km em 1h e 40min. Fiquei contente, porém a hora que fui seguir notei o pneu furado. A margem de tempo que tirei foi pra arrumar o pneu. Menos mal que havia essa margem.

Um pouco mais adiante encontrei Cé e Akio. Akio foi dar um olhada na minha bike. Ajeitar corrente, centrar roda, essas coisas. Cé me ajudou com a alimentação. Peguei câmaras novas e também uma laterna de cabeça com o Cé e uma traseira com o Akio. Akio instalou a lanterna no meu capacete. Eu não queira perder o desafio por iluminação. Depois me despedi sob um luar também divino, e segui viagem.

Os próximos km forma de muito foco e muita atenção. Devido ao Jean e ao Syen terem ficado quase 50 km para trás, isso dificultou a logística do carro de apoio me encontrar. Pedalei sozinho na noite, muitas vezes não havia nada ao meu redor. Somente eu e minha bike. Foi uma experiência muito louca. Nunca havia passado por aquilo. Mas em nenhum momento isso me preocupou, pois estava muito bem preparado. Acabei pedalando quase 80 km sem encontrar o carro de apoio. Parei e resolvi ligar, tive um pequeno desentendimento com o Cé, pois precisava de apoio. Comi o que tinha e quando fui sair notei o pneu furado. Enquanto trocava, apareceu um cara de carro e veio conversar comigo. Em certo momento notei que ele estava bêbado. Aquilo me chateou. Ele começou a ser inconveniente dizendo que iria me acompanhar.

Nesse momento o apoio chegou. Comi o macarrão que sobrou do almoço, peguei mais comida e bebi Coca e energético. Pedi para os meninos ficarem conversando com o Gerson (o bêbado de Matelândia) enquanto eu saía. Depois de um tempo na estrada notei um carro chegando perto de mim, fiquei com receio de ser o bêbado, mas era o Cé e o Akio. Também tiveram receio e foram me acompanhar por um breve trecho. Cortei Matelândia em um ritmo frenético, só pra não encontrar o chatão. Pedalei depois dali mais um longo trecho sozinho. Nesse momento bateu um certo sono e cansaço. Me mantinha firme e forte, pois sabia que faltavam pouco mais de 50km para o desafio ser concluído, e eu estava dentro do tempo.

A Chegada

Quando estava começando a sentir um desânimo, o carro de apoio chegou. Os meninos me disseram que iriam seguir comigo até o final. Era o que eu precisava. Me alimentei, tomei mais energético e Coca e pela primeira vez sentei um pouco depois de muito tempo. No reinício foi um pouco complicado, assim que peguei no tranco foi que foi. Me sentia revigorado e surgiu uma energia do além. Acredito que era porque sabia que estava perto. Chegando no pedágio antes de Foz do Iguaçu, comecei a refletir sobre tudo que passei até chegar ali. As conversas, os treinos, as dúvidas, a mensageria, tudo.

Lembrei de todos que acreditavam em mim e de todos que duvidaram. E senti pela primeira vez que não era por ninguém que eu estava ali. Estava ali por mim, somente por mim, para provar a mim mesmo que sou capaz de um feito como esse. Me emocionei muito em saber que depois de muito me dedicar, iria concluir um projeto muito importante para mim. Pois não era só a travessia do estado que estava em jogo, parecia que quem eu era estava em jogo. E naquele momento chorei como uma criança, ali mesmo. Em cima da bicicleta que vem me acompanhando durante os sete últimos anos. Me senti orgulhoso de mim, pois analisando ali, vi que não é qualquer um que consegue atravessar quase 750km em menos de 48h com uma bicicleta de aço com somente uma velocidade. Eu me dediquei muito a isso e agora sentia o sentimento de vencer. Vencer a mim mesmo.

Entrei em Foz sprintando, dando todo o gás que me restava. Cé colocou o som no talo. Pedi pra ele colocar Man or mouse do Millencolin. Tudo que eu tinha de energia coloquei ali, dei meu máximo em todos os treinos e em toda a viagem. Estava satisfeito em concluir meu objetivo. Realizado com meu feito.

Cé e Akio foram até o final comigo e voltaram para encontrar os meninos. Sentei em um banco na frente de um hotel, falei com familiares e com minha namorada. Chorei mais um pouco. Antes de ir para a casa que havíamos alugado pensei mais um pouco. Havia terminado o desafio em 47 horas. Atravessei o estado, quase 750km em menos de 2 dias.

“Forjado na mensageria, lapidado na estrada.”

Para mais informações sobre o projeto Leste Oeste PR, acesse o site: https://www.lesteoestepr.com.br