São Paulo - Rio de Janeiro

De São Paulo pela costa-litoral até Búzios com a Hardbrakers.
Fixed Gear/Gravel 850km 5550m 11 15 nov 2017

Foi o Jean quem me convidou para essa aventura maluca, fiquei extremamente animado com o convite. A viagem era acompanhar um grupo de Alemães (os Hardbrakers) numa tour pelo litoral entre São Paulo e Rio de Janeiro, de bicicleta fixa. Eu sempre pedalei constantemente, alguns finais de semana treinava pegando estradas, mas nunca tinha feito uma viagem, nunca tinha passado vários dias sobre a bicicleta. Óbvio que a vontade de fazer isso era grande, então quando o convite surgiu, aceitei de imediato.

Um bom tempo se passou entre o convite até a data da viagem chegar. Empacotei a mala e a bicicleta e fui para São Paulo três dias antes da tour começar. Chegando lá, me encontrei com o Jean e Jubie e fomos direto para um bar tomar aquela cerveja para comemorar. Em São Paulo a festa já começou, o pessoal foi chegando e os rolês na cidade aumentando, pegando aquele trânsito, 12 bicicletas cortando as ruas de SP como se não houvesse amanhã. Doze cabeças num apartamento de dois cômodos, o ritmo não parou.

Com toda a equipe unida, nos preparamos para pegar a estrada numa manhã após uma longa noite. Havíamos conseguido uma Kombi de apoio para levar todas as bagagens e equipamentos. O que foi uma bênção não ter que levar nada na bicicleta. Como éramos um grupo grande, era de se esperar atrasos na hora em que todos tínhamos que iniciar um deslocamento em grupo. Mas eu estava totalmente tranquilo, ritmo de férias sem me incomodar com muita coisa. Depois de algum tempo, estávamos todos na rua pedalando para fora da cidade de São Paulo. Uma das belezas da bicicleta é conseguir atravessar qualquer situação, costurar os carros, ter aquele vento na cara e suor nos olhos. O primeiro dia da tour começou com várias emoções.

Logo na saída de São Paulo, fomos parados pela Polícia Militar porque estávamos pedalando na rodovia atrás do nosso carro de apoio. De acordo com a norma, deveríamos estar na frente. Com isso, já se foram algumas horas paradas no posto policial com o guarda batendo a velocidade máxima do pessoal dando sprint no acostamento, enquanto se resolviam as questões do carro. Tudo certo, seguimos viagem para descer a serra de Mogi Bertioga.

No caminho eu tive o infortúnio do meu guidão quebrar quando fui embalar para começar uma subida. Quase fui atropelado pelo Carlos, que por sorte estava de freio. Nesse momento, fiquei um pouco em choque, mas felizmente não me machuquei, estava tudo certo. Segui um trecho no carro de apoio até encontrar o pessoal parado num mirante na lateral da rodovia, quando descobri que havia um guidão extra no carro, voltei a pedalar! No fim acabei pegando apenas o final da descida da serra, que já foi emocionante. Pessoal surfando e gastando pastilha de freio, cortando as curvas com os pedais soltos, embalando na aerodinâmica mais compacta possível. Foi intenso, no mínimo.

Acredito que o primeiro dia caiu bem como um resumo do ritmo que as coisas iam tomar: tudo muito fluído, como todas as cervejas que fomos tomando a cada parada. O pensamento positivo e a energia pra frente, sempre deu resultado na viagem toda, só chamar que vem. Mesmo com os imprevistos tudo foi se resolvendo da forma mais simples e bela possível.

Esse aglomerado de pessoas em bicicletas produz um tipo de energia de atração, a cada parada e cidade que fomos passando todos ficavam curiosos e se perguntando quem são essas pessoas. Acrescente ainda metade do grupo ser de outro país, falando um idioma completamente diferente. Muito desse fluir, acredito, veio da comunicação que o Jean tem com todas as pessoas que cruzamos. Sempre conversando de forma muito simples e otimista, fazendo com que tudo fosse acontecendo no momento certo e da forma que mentalizamos ao decorrer do trajeto. Fatos que acredito que acontecem principalmente quando estamos soltos das nossas amarras do dia a dia, pedalando sem preocupação com os próximos quilômetros ou velocidade, apenas apreciando a vista passar e se refrescando a cada sombra que encontrávamos, pois o calor estava forte, nos acompanhando durante toda jornada.

Como estávamos em um número grande, era de se esperar que pequenos grupos fossem se formando, de acordo com o ritmo de cada ciclista e suas afinidades. Eu pedalei praticamente a viagem toda ao lado do Jean, encontramos um ritmo constante e confortável que nos levou todos os 800km de viagem. Isso é muito legal, pois sempre ter alguém ao seu lado fortalece o pedal e deixa as coisas mais belas. Movidos a coca-cola e cerveja, fomos de quilômetro em quilômetro encontrando nas beiras de estrada nossos combustíveis, e dando aquela descansada enquanto todo o pessoal ia chegando. Na maior parte do percurso fomos na dianteira, o que nos dava mais tempo de descanso em cada parada. Quando o grupo se reunia novamente, sempre era aquele amontoado de corpos esparramados pelas sombras com suas bebidas à mão e papos engraçados sendo jogados na roda.

O trajeto inteiro da tour aconteceu pelo litoral, sempre aproveitando a vista do mar ao nosso lado. As estradas do litoral de SP estavam em ótimas condições, com o trânsito muito reduzido, dando a segurança e conforto que todo mundo quer quando está viajando, sem ter que se preocupar com carretas e ônibus passando ao seu lado. Era uma aventura de montanha russa. Entre cada cidade que passávamos, sempre havia um grande morro para ser conquistado, às vezes no sofrimento da força bruta das pernas, outras empurrando ladeira acima e algumas pendurados na lateral da kombi pegando aquela carona merecida. Era uma corrida para conseguir grudar no carro, sorte de quem conseguia. Quando o topo do morro era conquistado, rolava aquele reencontro de todos; por sorte estávamos com o isopor da kombi com várias bebidas.

A alegria da galera era feita a cada parada. Depois disso, era se deixar levar descida abaixo. Dois alemães, Marc e Rapha, eram os pedaleiros que se recusavam a descer da bike durante as subidas. Era doido ver o zigue-zague deles a cada subida e a cadência que eles chegavam na hora de descer os barrancos. Karl, que foi o único a ir sem freio, sofreu em alguns momentos, tendo que descer da bicicleta para conseguir descer algumas ladeiras, de tão íngremes que eram.




Não preciso nem comentar sobre os visuais que esse trajeto proporciona para a vista, é sem precedentes. Foi o caminho mais lindo que já fiz até hoje. Era um verde brilhante que refletia aquele sol forte, quase ofuscando a vista. Do outro lado, o mar com um tom de azul que você nem acredita, com aquela profundidade sempre te acompanhando. O corpo fervendo e aquela vontade de só se largar na água cristalina. As fotos falam por elas mesmas, uma pintura que não dá para perder. Levar os óculos escuros é imprescindível.

Foi muito bonito ver aquele grupo de alemães que já se aventuraram tanto juntos. Parecem uma família maluca com energia de sobra. Dominando qualquer lugar que parávamos como se fosse a própria casa, comprovando mais uma vez que com a companhia certa você está sempre em casa. Por eles serem de fora do país, também rolava aquela imensa curiosidade e estranhamento por todos que cruzamos. Era muito engraçado e divertido ver as interações entre todos, amizade profunda que não encontrava barreira quando algo acontecia. Sem contar, como falei antes, a mentalidade positiva e energia do grupo, tão grande que não tinha muito o que dar errado.

Na maioria dos dias, fizemos trajetos curtos para conseguir aproveitar bem quando chegávamos em alguma cidade. É importante pensar nessas distâncias, pois o intuito da viagem é a diversão e aproveitar os locais em que se passa. Ainda mais por ser um grupo grande, as paradas sempre eram mais “demoradas”, tomando mais tempo que o esperado. Com isso, é bom sempre contar com um tempo extra. Se não me engano, foram apenas dois dias que acabamos pedalando até o sol se pôr, o que tornava o pedal mais tenso e desgastante. A falta de iluminação, principalmente nas rodovias, é um empecilho. Nem todos os integrantes tinham um bom equipamento de luz, nesses momento me via grudado atrás de alguém que conseguia iluminar alguns metros de asfalto à frente. A kombi atrás do pelote ia tentando iluminar o que dava. Numa dessas noites, em que todos já não viam a hora de chegar, fizemos uma das médias de velocidade mais altas da viagem, o pelote cortando o asfalto a quase 40km/h. Foi uma loucura, a confiança total em todos e os olhos caçando qualquer alteração de sombra no chão. Mãos firmes no guidão.

A placa de divisa dos estado foi uma alegria a ser contemplada: no meio de uma subida, aquele sinal verde de que estávamos passando para o segundo estado. Logo após a placa, vimos alguns carros parados ao lado da estrada e descobrimos uma queda da água. Foi o momento perfeito, todos paramos e fomos nos refrescar e comemorar essa nova etapa concluída. A chegada na cidade do Rio de Janeiro foi sem comparação, o visual que já era insanamente lindo ficou ainda mais. As paredes de pedra começaram a se elevar à nossa volta, tornando tudo mais grandioso. Sem palavras para descrever. Realmente é uma região cinematográfica. Na noite anterior à chegada na cidade do Rio, lembro que ficamos numa pousada de pequenas cabanas, que mais pareciam casinhas de cachorros.

Quando a noite chegou, os mosquitos atacaram, junto ao calor que não dava trégua, deixando a cabana ainda mais abafada. Lembro que o Jean teve a brilhante ideia de pegar um ventilador que estava em um dos cantos da pousada e instalar ele dentro da nossa cabana. Passamos a noite muito bem, enquanto o resto do grupo batalhou entre os mosquitos e o calor.

Quando entramos no Rio de Janeiro, o trânsito voltou a nos fazer companhia. Depois de tanto tempo em estradas e cidades pequenas, foi um choque reencontrar toda aquela confusão de uma metrópole. Para não perder o costume das subidas que tivemos durante o trajeto, seguimos direto ao topo do Corcovado. Deve ter sido uma visão incrível para quem nunca esteve na cidade poder vislumbrar toda aquela cidade do topo antes de adentrar suas ruas. Logo após, obviamente, tocamos direto para Copacabana, a famosa praia. Estava o grupo todo reunido no calçadão e aquela alegria de ter chegado na cidade maravilhosa.


Foram duas noites no Rio de Janeiro, onde conseguimos um Airbnb e ficamos hospedados como reis, perfeito para repor as energias. Aquele descanso merecido. Nesses dias, cada um foi tomando seu ritmo de passeio: alguns mais festeiros e outros mais a fim de relaxar. Em um dos dias, fui visitar meus tios que moram na cidade e reencontrar outros conhecidos da mensageria carioca. Acompanhei o Gianfranco e o Rob, que foi fazer uma tatuagem numa das noites (uma pata de lagarto que ele havia encontrado na estrada e estava preso no garfo da bicicleta), um lembrete de toda a “garra” do rolê.

Mas a viagem ainda não havia terminado. O destino final era Búzios, alguns quilômetros além onde a família do Jubie tinha uma casa. Na saída do Rio, na tentativa de fazer o percurso todo na bicicleta, tentamos atravessar a ponte Rio-Niterói, onde logo no início fomos barrados pela empresa que administrava a ponte. Parados no meio do elevado da ponte, duas ambulâncias e um caminhão guincho levaram todo o grupo e as bicicletas até o outro lado. Ao menos recebemos a carona, pois sem isso seriam algumas viagens na kombi de apoio para atravessar a ponte. Do outro lado, em Niterói, demos continuidade ao pedal. No entando, a via era muito movimentada, parecida com as estradas cheias de caminhões que estamos acostumados a pegar nos finais de semana. Nesse momento, eu e o Jean subimos no carro de apoio. Não precisávamos gastar energia numa estrada que carecia de beleza. Foi massa pegar um trecho no carro, me senti na equipe de apoio do pelote. Depois de um tempo, o pessoal pegou um desvio por uma estrada de terra, imagino que para fugir da rodovia maçante. Ali na estradinha sem movimento, o Jean subiu no teto da kombi para fazer umas fotos no melhor estilo Tour de France. Agarrado com todas as forças na rack do teto, ele foi lá chacoalhando junto com os buracos, tentando conseguir fazer uns cliques dos ciclistas. Quando voltamos ao asfalto, eu e Jean retornamos para as bicicletas para finalizar o último trecho da viagem pedalando junto ao grupo todo. Foi um trajeto muito bonito com vários lagos e uma vegetação rasteira bem diferente das anteriores. O pôr do sol trazendo aquela iluminação de chorar, refletindo todos os tons da paisagem.

Ali, eu, Jean, Ben e Karl encabeçamos um ritmo doido, gastando o resto das pernas que não tínhamos mais nos últimos quilômetros de viagem. Tudo lindo. Chegar na casa que ficaríamos hospedados em Búzios foi o encerramento com chave de ouro. Um casarão preparado para receber toda a turma, com piscina, sauna e outras regalias que todos nós merecíamos depois da viagem. Foi muito engraçado, pois os últimos três dias da tour que ficamos em Búzios foram os únicos dias que choveram. Parece que o tempo foi sincronizado com a viagem, aquelas férias das férias. Não tem como reclamar. Uma viagem inesquecível.

No fim, a gente vê como a tour se constrói no decorrer dela mesma. Criamos várias programações e orquestramos vários planos, mas no fim, o ritmo flui da forma que tem que acontecer. Cada dia de uma vez, com a mente aberta e energia positiva não tem nada o que dar errado. Você se sente em casa quando o grupo todo se une e se diverte, sem muitas preocupações, pois tudo é puro reflexo de nossas mentes. Você vivencia aquilo que sua mente emana. Estar num lugar diferente, se deslocando com os amigos de bicicleta mostra como tudo pode ser muito simples e prazeroso. Isso é o que mais me marcou nessa viagem: tudo roda enquanto o pedal roda.

Agradeço o convite ao Jean de participar dessa aventura e a todos que compartilharam de suas experiências durante todo o trajeto: Gianfranco, Rob, Jubie, Ben, Karl, Vince, Jay, Chris, Philip, Carlos, Rapha, Marc, Rhojer, Erick e Michel.